Nunca tinha ouvido falar nele.
Na verdade, achava que nunca tinha ouvido falar dele. Porque não se lembrava de ter ouvido falar dele. Ele, o génio da bola nos pés. Ele, o estudante irrepreensível. Ele, o jogador fora do comum, que jogava à bola, falava português do Brasil, fez um figurão nos mundiais de 82 e 86 e era médico. Sim, ele que tinha estudado Medicina. Quão estranho é isto de haver um jogador de futebol que, no auge da carreira nos anos 80, tinha já estudado para ser médico. Quão estranho é um Ás da bola ser médico no Brasil? Não querendo ser preconceituosa, quão improvável é haver um médico tão bom a jogar futebol que passa a ser chamado ‘doutor’ pelas receitas prescritas e pelos toques e fintas encantadores?
Por isso o doutor. Por isso a estranheza em nunca ter ouvido falar dele. Por isso, a curiosidade em ler sobre Sócrates. Sobre a carreira de um herói nacional, sobre os toques subtis na bola, sobre as opiniões de antigos colegas de equipa, sobre a vida e a carreira futebolística, sobre ele. Por tudo isso, a enorme estranheza de nunca ter ouvido falar neste médico jogador de futebol com nome de filósofo. A enorme estranheza de lhe escapar que, com uma vida tão cheia, lhe fizesse falta um bem tão precioso como o auto-controlo. Controlou os estudos, controlou a bola. Nunca soube controlar um adversário fatal chamado álcool. Daí a estranheza. Ouvir falar de uma vida tão cheia por causa de um fim tão estranho. Estranheza esta.
Entrada Na Nossa Agenda a propósito da morte de Sócrates, o doutor.